O outro olhar: sorocabanos experimentam
produção audiovisual com cegos, agora em Porto Velho
Em
2003, inspirados pelo documentário Janela da Alma (Walter Carvalho e
João Jardim); Míriam Cris Carlos e Werinton Kermes resolveram
experimentar levar a fotografia para deficientes visuais. No
documentário que inspirou os sorocabanos, Evgen Bavcar, fotógrafo cego e
filósofo, conta como resolveu superar suas limitações – a ausência de
visão – para fotografar.
Na
época, pesquisando, Míriam viu que não havia experiências similares no
Brasil. A dupla entrou em contato com a ASAC (Associação Sorocabana de
Assistência aos Cegos) e com o professor Fernando Negrão, da UNISO
(Universidade de Sorocaba), e começaram uma oficina, da qual
participaram 14 deficientes visuais.
Esta
oficina produziu resultados inesperados, ganhou seguidores em todo o
país e fez de Teco Barbero, um dos participantes, um fotógrafo com baixa
visão, hoje, conhecido em todo o Brasil. Barbero realiza palestras,
fotografa e ensina a outros aquilo que, na primeira experiência
realizada no Brasil, parecia algo impossível, coisa de malucos. O grupo
que viveu esta experiência pioneira foi a Belo Horizonte e lá, no
Congresso Arte sem Barreiras, conheceu Evgen Bavcar, que foi
fotografado.
Werinton
Kermes menciona que, na primeira oficina realizada em Sorocaba, uma das
atividades foi levar o grupo ao cinema. A perplexidade era enorme já na
fila para o ingresso. As pessoas que ali estavam se perguntavam: como?
Cegos indo ao cinema? Qual o sentido disto? Porém, comprados os
ingressos e o grupo preparado para assistir ao filme, a emoção se fez
enorme, bem como a constatação de que um grupo de cegos apreendia
detalhes que aqueles que enxergam deixavam passar. O filme era Cidade de
Deus. O número de tiros. A tensão da música e do silêncio. Nada da
narrativa passou despercebido ao ouvido e à sensibilidade do grupo. “Ali
percebemos que a produção audiovisual poderia ser também um desafio
muito interessante!”, afirma Werinton Kermes.
Werinton
e Míriam levaram a mesma experiência para Belém (PA), por duas vezes, a
convite do fotógrafo Luís Braga. Realizaram, ainda, uma oficina no SESC
Pinheiros, da qual participaram pessoas que enxergavam, mas que viveram
a ausência de visão e a captação de imagens com os olhos vendados.
Agora, o trabalho segue rumo a Porto Velho (RO). Só que desta vez será
diferente: uma oficina de produção de audiovisual. O convite partiu dos
organizadores do Cinefest Amazônia.
A oficina acontece nos dias 16,
17 e 18 de novembro. O objetivo é resultar em um documentário produzido
pelos participantes. Míriam Cris Carlos explica o que a inquietou e a
levou à primeira oficina: “Somos hiperbolicamente visuais. Por outro
lado, vivemos em corredores por onde os fluxos humanos circulam em
multidões de indivíduos solitários, sem comprometimento uns com os
outros.
Para
desestruturar esta crise da visibilidade, cabe a tarefa de encontrar os
outros sentidos e render o olhar do excesso imagético que nos fez cegos
sem deficiência visual. Resta encontrar novamente a
tridimensionalidade e com ela resgatar o corpo carne, até
então transformado em imagem e espetáculo.
Pensando
nestas questões, compreendemos que ver não é privilégio do olhar,
melhor dizendo, dos olhos. Imagens se constroem de dentro para fora e
vice-versa, imagens internas, que, inquestionavelmente, são imagens, são
textos produzidos pela conjunção de todos os sentidos, pelo corpo.
Imagens são produzidas com o tato, com o olfato (não temos uma memória
olfativa?) e com o paladar. Imagens sonoras nos cercam ainda pelo rádio e
pelas narrativas orais.
Assim,
inspirados pelo filme Janela da Alma, de Walter de Carvalho e João
Jardim e pelo fotógrafo cego Evgen Bavcar, cremos na possibilidade da
produção da imagem fotográfica por deficientes visuais, cuja
sensibilidade corporal será capaz de recortar a realidade que os cerca,
registrando-a fotograficamente e por meio do audiovisual. Sabemos que,
mesmo não podendo confirmar o resultado de seu produto, por meio do
conceito tradicional de visão, ele poderá prevê-lo, narrá-lo,
confirmá-lo pelo relato de alguém que vê a imagem produzida, ou, ainda,
no caso do audiovisual, recriar ele mesmo aquilo que produziu, mediante a
audição”.
Werinton
Kermes explica que a experiência com a produção de audiovisual por
cegos não é nova. Já aconteceu em Natal (RN), e há, também, um diretor
de cinema de Brasília que é cego. “Como fomos pioneiros no Brasil com o
trabalho fotográfico, queremos um novo desafio”.
Jorge
da Mata, cinegrafista profissional, se engaja nesta nova etapa e
acompanha a dupla no trabalho em Porto Velho. Míriam Cris Carlos relata
que os objetivos do trabalho são discutir a comunicação e suas diversas
formas; discutir a percepção, o espaço e a experiência; discutir o
poético e a poética da imagem e do som; compreender a comunicação do
deficiente visual e o seu universo de construção de imagens. Também se
espera criar mecanismos que possam facilitar a prática da fotografia e
da produção de audiovisual por deficientes visuais, além de realizar a
produção de imagens fotográficas e audiovisuais sem a utilização da
visão, por meio da exploração de outros sentidos como o tato, olfato e
audição. Sobretudo, o desejo é explorar o acaso, o erro e a quebra de
paradigmas na construção estética da fotografia e do audiovisual,
criando videografias corporais, ou seja, realizadas por meios dos outros
sentidos.
O
resultado será editado e exibido no próprio festival de Rondônia.
Porém, mais do que tudo, o que se deseja, explicam os coordenadores da
oficina, é incentivar a superação de limites e a inclusão. Para isto,
participam da oficina também pessoas que enxergam, com o objetivo de se
tornarem multiplicadores da experiência.
Texto: Míriam Cris Carlos
Contatos:
Míriam Cris Carlos: micriscarlos@uol.com.br
Werinton Kermes: werintonfoto@gmail.com
Cinefest Amazônia: (69) 3212-1313
Fernanda Kopanakis (6) 9983.1336 e (21) 8216.9458
skype: fernanda_kopanakis
facebook: Fernanda Kopanakis
site: www.cineamazonia.com
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